quarta-feira, 3 de julho de 2013

Vaidade



Ir∴ Edmir Japiassu, M∴I∴

Dedicado em Memória Ao
 Ir Severino Pereira, ARLS Cavaleiros Templários 7 Nº.3842.

         “E o pó volte à Terra, como o era, e o espírito volte a Deus, que o deu. Vaidade de Vaidade, diz o pregador, tudo é vaidade”(Eclesiastes - Cap∴12, VV 7e8).
O Livro da Lei, ou as sagradas Escrituras trazem em média 58 versículos onde encontramos referências a palavra vaidade, dependendo da versão com a qual estamos trabalhando, a saber: II Reis(1); Jó(4); Salmos(8); Provérbios(1); Eclesiastes(26); Isaías(3); Jeremias(6); Ezequiel(4); Oséias(2); Zacarias(1); Romanos(1); II Pedro(1).
O Eclesiastes é um livro do Antigo Testamento, sendo o segundo dos livros Sapienciais e atribuído a Salomão. Eclésia em grego significa “assembléia do povo” e, em nossos dias “Igreja”.
Nos dicionários, a palavra vaidade é definida como "qualidade do que é vão, instável, inútil, desejo imoderado de atrair a admiração dos outros, vanglória, presunção, ostentação, fatuidade, coisa vã, futilidade". A vaidade é o composto da transformação das pessoas para pior. Ela distancia os seres, maltrata os corações, polui as mentes e deteriora relações e sentimentos.
Vaidade é a qualidade do que é vão, vazio, firmado sobre aparência ilusória. A vaidade, sentimento que esvazia e dispersa. Interessante é o modo como procede, criadora do absurdo e do irreal aos olhos alheios.
A sociedade capitalista só reconhece que o sujeito atingiu o ápice do sucesso quando acumulou conhecimento, poder e, sobretudo, dinheiro. Se acrescentar a isso um corpo esbelto e “olhos claros”, o exemplo fica completo. Ser inteligente, bonito, poderoso e rico é o kit básico do projeto de ascensão social. A partir daí, conforme a permissão, a vaidade toma conta em maior ou menor escala.
A saúde espiritual, que deveria servir de combustível para impulsionar a vida, fica delegada ao segundo plano. O apego em demasia à matéria vai nos afastando dos cuidados mínimos e necessários com o Eu interior. Por egoísmo e ambição, acabamos criando empecilhos para uma vida saudável, solidária, fraterna, com paz, amor e justiça. Não só para "os nossos mais chegados", mas principalmente para aqueles que vivem excluídos, sem vez e voz. As ações impensadas e as reações inesperadas são praticadas fora do contexto da nossa real vontade.
 Como resultado, ferimos pessoas que amamos ou gostamos com uma força muito maior do que um tiro desferido de uma arma. Só depois, lembramos que possuímos dois ouvidos para ouvir, dois olhos para ver e uma boca para falar.
A vida no plano terreno é tão curta, que não podemos nos dar ao luxo de perder tempo com picuinhas e armações desnecessárias.
O termo vaidade traduz uma palavra hebraica que significa vapor que se dissipa no ar. Estas palavras refletem um estágio singular da fé: aquilo em que se crê na existência e no juízo de Deus, na vida além da morte.
         A vaidade está sempre fundada na crença de que somos o objeto de atenção e de aprovação. O rico se glorifica em sua riqueza porque acredita que ela naturalmente atrai para ele a atenção do mundo, e que a humanidade está disposta a acompanhá-lo em todas aquelas emoções agradáveis que as vantagens de sua situação tão prontamente lhe inspiram. Quando ele pensa nisso, seu coração parece crescer e dilatar-se dentro de seu corpo, e ele aprecia a sua riqueza mais por esse motivo do que por todas as outras vantagens que ela possibilita. O pobre, ao contrário, tem vergonha de sua pobreza. Ou ele sente que a pobreza o coloca fora da atenção da humanidade ou que, se esta lhe dá um mínimo de atenção, não tem, entretanto, quase nenhum sentimento solidário para com a miséria e a provação de que ele padece.
         Dessa forma, é a vaidade, mais que tudo, que exemplifica o controle do comportamento do agente por desejos sub-racionais.
         No fundo, todo indivíduo deseja ser estimado, ou seja, assegurar para si os bons sentimentos e a disposição favorável daqueles que o rodeiam. Os homens são vaidosos, mas não gostam de ser considerados – nem mesmo de imaginar-se a si próprios – como tais.

A vaidade em David Hume
         Ao longo de sua obra, David Hume (1711-1776), filósofo Escocês faz diversas referências à vaidade. Em uma delas, Hume afirma que há duas seitas fundadas em diferentes sentimentos com respeito à natureza humana. Uma delas exalta a nossa dignidade, representando o homem como uma espécie de semideus, que deriva sua origem dos céus. A outra seita enfatiza o lado obscuro da natureza humana e nada pode descobrir além da vaidade, através da qual o homem ultrapassa os outros animais, pelos quais ele afeta um grande desprezo. O autor que possui talento retórico geralmente adere à primeira destas seitas. O autor que tende à ironia e ao ridículo, naturalmente adere à segunda destas seitas.
         Hume está longe de pensar que aqueles que depreciam a natureza humana sejam inimigos da virtude. Na verdade, eles vêem o curso das ações humanas com demasiada indignação justamente porque possuem um delicado senso moral, especialmente quando associado a um temperamento mal-humorado, que lhes dá desgosto pelo mundo. Mas os  sentimentos daqueles que tendem a pensar favoravelmente a natureza humana são mais vantajosos à virtude. Com efeito, se o ser humano possui uma noção elevada de si próprio e de sua espécie, ele naturalmente procurará agir de acordo com esta noção, desprezando qualquer ação que o faça afundar para baixo da nobreza de sua auto-imagem.
         De qualquer modo, Hume pensa que a disputa ligada à dignidade ou mesquinhez da natureza humana se baseia em alguma ambigüidade nas expressões usadas. Daí a utilidade de avaliar o que é real e o que é puramente verbal nesta controvérsia.
         Hume pensa que, quando estamos fixando um termo que envolva aprovação ou censura, estamos geralmente sendo influenciados mais por uma comparação feita do que por algum padrão inalterável que pertença à natureza das coisas. Assim, a receita de Hume para analisar qualquer disputa é sempre considerar se é uma questão de comparação ou não que constitui o assunto da controvérsia. E, se a resposta for positiva, torna-se muito importante verificar se os disputantes estão lidando com as mesmas coisas ou se falam de realidades completamente diversas.
         Ao formar nossa noção de natureza humana, fazemos uma comparação entre o ser humano e os animais. Tal comparação, quando colocada nestes termos, é favorável à espécie humana, o que leva à formação de uma noção exaltada de nós mesmos.
         A maneira mais eficiente de destruir esta conclusão é fazer uma nova e secreta comparação entre o ser humano e seres que possuam a sabedoria mais perfeita. O ser humano pode formar uma idéia de perfeição muito além daquilo que ele experimenta em si mesmo. Ao fazer isto, ele vê que está infinitamente longe de possuir a sabedoria perfeita e que nem mesmo a sua superioridade para com os animais é capaz de compensar este fato.
         Podemos ainda comparar um ser humano com outro, descobrindo assim que são muito poucos aqueles que podemos chamar de sábios ou virtuosos. Isto, porém, constitui uma falácia, pois, ao invés de atribuir sabedoria às pessoas em gradações suaves, acabamos por considerar virtuosas ou sábias somente aquelas pessoas que possuem tais qualidades em elevadíssimo grau. Deste modo, dizer que há poucos sábios no mundo é uma redundância, pois nós os consideramos sábios justamente porque são poucos. É o mesmo que dizer que há poucas mulheres realmente belas, quando, para dizer que são tais estamos lhes atribuindo uma beleza que só é comum a poucas.
         Estas considerações levam Hume a concluir que o debate em torno da dignidade ou mesquinhez da natureza humana é acima de tudo uma disputa de palavras. Deste modo, quando alguém nega a sinceridade de todo o espírito público ou afeição a um país e comunidade, a ponto pensar que toda amizade envolve amor próprio, ele está abusando das palavras e confundindo as coisas. Seria impossível alguém ser tão egoísta ou tão estúpido para não diferençar entre um homem e outro, deixando de levar em conta as qualidades deles que fossem capazes de motivar a sua aprovação e estima. Ou este alguém esqueceu os movimentos de seu coração ou está usando uma linguagem diferente daquela de seus compatriotas. O amor próprio possui uma influência benéfica sobre a maior parte das ações humanas e é altamente recomendável para todos nós.
         Deste modo, duas coisas desorientaram os filósofos que insistiram no egoísmo humano. Primeiramente, descobriram que todo ato de virtude ou amizade envolvia um prazer secreto. Daí concluíram que a amizade e a virtude não poderiam ser desinteressadas. A falácia aqui é óbvia: o sentimento virtuoso produz o prazer, mas não surge a partir dele. Sinto prazer ao fazer bem a meu amigo porque o amo, mas não o amo por causa daquele prazer. Em segundo lugar, os virtuosos não são indiferentes ao elogio e foram por isto considerados pessoas vaidosas que só buscam o aplauso dos outros. Mas esta constitui outra falácia: é muito injusto depreciar uma ação louvável só porque nela encontramos uma tintura de vaidade.
         A vaidade é uma paixão especial. Amar a fama de ações louváveis chega muito próximo do amor pelas ações louváveis por elas mesmas. A vaidade está tão de perto associada à virtude que estas paixões são mais capazes de mistura do que qualquer outro tipo de afeição. É quase impossível ter uma sem ter a outra. Amar a glória de ações virtuosas é uma prova segura do amor pela virtude.
         Na mesma linha de raciocínio, Hume afirma, nas Investigações sobre os Princípios da Moral, que o desejo de fama está tão longe de ser censurável a ponto de parecer inseparável da virtude, do gênio, da capacidade e duma disposição nobre. Daí sua definição de vaidade como a exibição de nossas qualidades numa exigência tão inoportuna de elogio e admiração que se torna ofensiva a outras pessoas e ultrapassa de longe a vaidade secreta que elas próprias possuem. Nesta perspectiva, a vaidade não surge nem como amor próprio nem como base da moralidade. Esta última envolve um sentimento comum a todos os homens, a saber, um sentimento de humanidade que se distingue das outras paixões. Enquanto estas últimas possuem um caráter particular, o primeiro depende de um ponto de vista universal. Assim, quando digo que fulano é meu inimigo, estou adotando a linguagem do amor próprio, baseada num ponto de vista particular. Quando, porém, digo que fulano é depravado, estou adotando a linguagem moral, baseada num princípio universal.
         As considerações de Hume a respeito do egoísmo avançam em direção semelhante. Ele considera um princípio, que se supõe prevalecer entre muitos pensadores, segundo o qual toda benevolência é mera hipocrisia, a amizade, uma trapaça, o espírito público, uma farsa. No fundo, todos procuramos satisfazer nossos interesses privados e usamos estes disfarces para distrair outras pessoas e submetê-las a nossas vilezas e maquinações. Contra esta hipótese hobbesiana do homem naturalmente egoísta, Hume diz, em primeiro lugar, que ela é contrária ao sentimento comum e às nossas noções mais evidentes. O mais descuidado observador pode perceber que parecem existir disposições como benevolência e generosidade e afeições como amor, amizade, compaixão, gratidão, as quais diferem claramente daquelas provenientes das paixões egoístas. A hipótese do egoísmo humano parece decorrer do amor pela simplicidade, que constitui a fonte de muito raciocínio falso em filosofia. A insuficiência dos sistemas que se baseiam nisto já foi provada por muitos filósofos e Hume considera-a suficientemente estabelecida.
         Em segundo lugar, Hume alega que a causa mais simples e mais óbvia que pode ser atribuída a um fenômeno é provavelmente a verdadeira. Ora, a hipótese do egoísmo envolve reflexões muito intricadas e refinadas. As nossas afecções não são suscetíveis de impressões provenientes de refinamentos da razão ou da imaginação. Assim, se  falecesse o amigo muito rico e protetor de uma pessoa, poderíamos suspeitar que o pesar desta pessoa esconde algum interesse. Mas não poderíamos fazer a mesma suposição se o falecido fosse muito pobre e necessitasse de proteção. Deste modo, hipótese do egoísmo equivaleria a tentar explicar o movimento duma carroça carregada através de minúsculas engrenagens e molas ocultas.
         Em terceiro lugar, Hume afirma haver diversas afecções que são marcas de uma benevolência geral na natureza humana, em que nenhum interesse real nos liga ao objeto. Parece difícil explicar como um interesse imaginário, conhecido e reconhecido enquanto tal, pode ser a origem de qualquer paixão ou emoção. Com efeito, há apetites corporais que necessariamente precedem todo prazer sensual. A fome e a sede têm como seu fim o comer e o beber, respectivamente. E da satisfação destes apetites primários surge um prazer, que pode tornar-se o objeto de outra espécie de desejo, que é secundário e interessado. Do mesmo modo, há paixões mentais através das quais somos imediatamente impelidos a buscar certos objetos particulares, tais como fama ou poder, e quando tais objetos são atingidos segue-se uma agradável sensação de deleite. Assim, o amor próprio não pode ser o único bem do homem, já que depende da satisfação de diversos desejos particulares que o precedem. Se não tenho vaidade, por exemplo, não me interesso pelos elogios alheios; se não tenho ambição, não me interesso pelo poder; se não estou com raiva, não me interesso pela vingança. Em todos estes casos, há uma paixão que aponta imediatamente ao objeto e faz dele nosso bem. É certo que há também outras paixões secundárias, que surgem a partir disso e perseguem o objeto como parte de nossa felicidade, mas só depois que o objeto é constituído como tal pelas nossas afecções originais. Se não houvesse qualquer apetite antecedente ao amor próprio, ele dificilmente se exerceria, porque neste caso teríamos tido prazeres e dores tão poucos e tão fracos que não nos motivariam a buscar a felicidade ou a evitar o sofrimento. A proposta de Hume, que explica a moralidade através de um sentimento de benevolência desinteressada, distinta do amor próprio, é mais simples do que a do egoísmo.
         Assim, a hipótese do amor próprio é mais uma sátira do que uma verdadeira descrição da natureza humana. Ela pode constituir um bom fundamento para a perspicácia paradoxal e para a zombaria, mas não para o raciocínio sério.



A vaidade em Matias Aires da Silva de Eça      
Matias Aires da Silva de Eça (1705-1763) filósofo brasileiro publicou, em 1752, um pequeno livro, intitulado Reflexões sobre a Vaidade dos Homens. Nele, não há apenas a construção de um sistema racional, mas a experiência duma vida e o reflexo dum caráter. Os principais temas tratados no opúsculo são os da vaidade, do amor e do ceticismo.
O mote que leva Matias a escrever Reflexões Sobre a Vaidade dos Homens é o conhecido versículo 2 do Capítulo 1 do Eclesiastes: vanitas vanitatum, et omnia vanitas. Em sua glosa do versículo bíblico, Matias parte da vaidade como um dos fundamentos das ações humanas. No Prólogo ao Leitor, ele nos avisa que os conceitos em seu livro não são rigorosos em virtude do próprio assunto tratado. De qualquer modo, a vaidade é apresentada não como uma paixão do corpo, mas da alma. Ela é vício do entendimento e não da vontade, pois depende do discurso. Eis porque a mais forte e a mais vã de todas as vaidades é a que resulta do saber. A vaidade é uma espécie de concupiscência, que deve ser enfrentada não com as forças do corpo, mas com as do espírito. A vaidade é sem limites, durando mais do que nós mesmos, através dos túmulos aparatosos que mandamos fazer. Ela é a que mais se esconde, entre todas as paixões. Muitas vezes, oculta a si mesma, através de ações pias que nascem de uma vaidade mística ou satisfação de ver-se superior aos outros através das boas obras realizadas (grifos do filósofo). A maior de todas as injúrias é o desprezo, porque atinge a própria vaidade. Até mesmo o desprezo pelas coisas vãs pode nascer do excesso de vaidade. Neste caso, tal excesso produz a aparência de uma virtude, que é a de não ser vaidoso. Embora cada ser humano conheça muito bem as vaidades alheias, desconhece as próprias. A vaidade se une a todas as paixões e muitas vezes constitui a origem principal das mesmas. Ela nasce com todas e é a última que se acaba. Até a humildade costuma nascer da vaidade, que exerce a sua influência mesmo onde parece não tê-la. E muitas das virtudes humanas surgem a partir da vaidade. Esta como que as inventou, pois, por exemplo, desprezamos a vida para ver reconhecido o nosso valor; deixamos de ser desleais para não termos de enfrentar o desprezo dos outros. A vaidade se parece muito com o amor próprio, confundindo-se talvez com ele. Se são paixões diversas, uma nasce da outra. Há vaidades universais, que compreendem toda a sociedade, e vaidades particulares, que são próprias a cada ser humano. As primeiras unem as pessoas e constituem a sociedade; as últimas separam e dividem as pessoas. A vaidade se encontra oculta no estado de inocência da infância, mas, com o tempo, vai crescendo e tomando conta de nossas vidas. A vaidade surge como contágio contraído a partir das relações e conversações dos homens. Nosso entendimento facilmente se infecciona com as opiniões próprias e com as alheias, com as vaidades próprias e com as dos outros. Em contrapartida, é dos delírios produzidos pela vaidade que resulta e depende a sociedade. O desejo de adquirir fama infunde tal valor nos homens que os transforma em heróis, em cientistas, em pessoas benignas e virtuosas. Eis porque o homem sem vaidade sente um desprezo universal por tudo, começando por si mesmo. A reputação aparece-lhe como uma fantasia, o respeito, como uma dependência servil, a benignidade, como uma virtude mercenária, a lealdade, como uma submissão necessária e a fama, como um objeto vago, incerto, que vale menos do que custa para conseguir.
         Em paralelo com a questão da vaidade, Matias introduz suas reflexões sobre o amor. Ele pensa que este é indefinível, ultrapassando a nossa capacidade de descrever, porque é infinito o nosso modo de sentir. A providência divina suscitou o amor nos homens e em toda a natureza para conservar o mundo. A verdadeira base do amor está na formosura. Há, porém, dois tipos de amor: o medíocre e vulgar, que só se ocupa dos prazeres dos sentidos, e o sublime, que se contenta em contemplar o objeto amado e se aproxima do amor divino. O primeiro é como um impulso da natureza, buscando o alívio fora de si e dependendo da vontade alheia; o segundo é como uma emanação da alma, encontrando o contentamento em si mesmo, sem depender da vontade alheia. Quanto às relações entre o amor e a vaidade, as Reflexões parecem apontar para uma visão de mundo em que a vaidade e o amor sublime se opõem frontalmente. O amor medíocre é inconstante e dominado pela vaidade, reduzindo-se a uma de suas manifestações. O amor sublime é o que temos pelo mundo enquanto criado por Deus. Este amor é constante. Não temos liberdade para deixar de amar a formosura do mundo, já que a estrutura do universo é um retrato da onipotência divina.
         Deste modo, parece que somos capazes de duas paixões principais: uma delas é o amor divino, que depende exclusivamente do coração inflamado pela beleza da obra divina; a outra é a vaidade, que depende do entendimento. É verdade que o amor medíocre também surge a partir do coração, mas ele busca a satisfação dos sentidos e precisa ser conservado pelo discurso, tornando-se mais uma das manifestações da vaidade que governa as relações sociais. De qualquer modo, as duas paixões principais são completamente livres de limitações.
         A partir desta oposição, podemos ver que a natureza humana propende para o mal e por causa disso devemos viver sob regras. Chegamos ao vício sem necessidade de tempo ou de mestre. À virtude só chegamos depois de muito trabalho. Nesta perspectiva, um homem às avessas seria um homem perfeito. Para fazer o bem, basta consultar a nossa natureza e fazer o contrário. Viemos ao mundo para fugir de nós mesmos, de nossas paixões, de nossas vaidades. As ações humanas são muitas e muitas vezes dominadas pela vaidade.  Mas não devemos abandonar completamente esta última, pois ela nos ajuda a moderar ou a impedir outros vícios. Na verdade, quem não tem vaidade alguma despreza a própria reputação e, portanto, a própria honra. Assim, é útil manter alguma tintura de vaidade, embora não a sua substância.
         Quanto ao conhecimento que temos do mundo, Matias se revela um cético. Para ele, vemos as coisas do modo que as podemos ver, ou seja, de maneira confusa. As paixões formam dentro de nós um intrincado labirinto, no qual o verdadeiro ser dos objetos se perde. Conhecemos as coisas não pelo que são em si, mas pelas suas diferenças. A essência nos é totalmente oculta. Além disso, nossas idéias mudam a partir das alterações pelas quais nós mesmos passamos. Nas letras, reina uma vaidade metafísica, espiritual. Seu objeto são os discursos e a disputa. Ter ou não ter razão é a guerra em que se passam os nossos dias e os nossos anos. Só achamos dúvidas contra a opinião dos outros, nunca contra a nossa. É mais fácil defender uma opinião má do que escolher uma boa. Todos os que se dedicam às letras são motivados pela vaidade de adquirir renome. Quanto maior é a vaidade de cada um, tanto maior é a sua aplicação. Os letrados não estudam para saber, mas para que se saiba que eles sabem. Aqueles que crêem saber mais que os outros ou se enganam ou se persuadem bem. Toda a ciência se corrompe no homem, pois tudo o que passa por ele fica infectado. A ciência não melhora o homem, mas o deixa como o encontra. Não é a ciência que nos ensina, e sim o tempo. A ciência é como um cristal claro que se coloca sobre uma pintura mal feita: pode dar-lhe lustro, mas não lhe dá maior valor. Nesta perspectiva, a ignorância tem produzido menos erros que a ciência. O que esta última nos faculta é sabermos errar com método. Em virtude disso, a discordância entre os sábios é total. Eles não compartilham doutrina alguma, princípio fundamental algum. Seu único ponto comum é a vaidade. As ciências não costumam pacificar o mundo, mas sim desordená-lo.  As idéias de Matias expostas acima sugerem que ele defende uma visão de mundo em que o ser humano possui uma natureza corruptível, no sentido de que nasce inocente, mas precisa de muita força moral para resistir às tentações da vida social e, em geral, não possui tal força em quantidade suficiente para evitar o pecado. Temos duas faculdades básicas, o coração e o entendimento, que geram as paixões do amor e da vaidade. Estas só encontram justificação quando provêm de Deus. É o que acontece com o amor pelo mundo, que, enquanto obra criada, reflete a onipotência de seu autor. Neste último caso, o coração se contenta em contemplar desinteressadamente a beleza da criação divina, experimentando uma alegria perfeita. Quando não provêm de Deus, as paixões geradas pelo coração e pelo entendimento iludem e dominam o ser humano. O coração gera a paixão do amor medíocre, que surge quando os sentidos se deixam impressionar pela beleza do objeto amado. Esta paixão é de caráter corporal, sensorial, instintivo, imperfeito. Nela, o sentir é muito mais amplo do que o explicar discursivo. O entendimento, por sua vez, pertence a uma alma que nasce ingênua, mas que está aberta para a vaidade através do processo de socialização. Este se baseia no discurso e só pode proporcionar uma alegria imperfeita. Na realidade, o entendimento é um verdadeiro castigo, pois nos permite perceber que nada sabemos acerca do mundo e de nós mesmos e nos deixa sem qualquer desculpa para justificar-nos. Toda pretensão ao conhecimento é pura vaidade. A diafonia entre os seres humanos é total. Coerentemente, Matias fala pouco do amor sublime em seu ensaio, porque se trata de algo inefável e independente do entendimento. Ele enfatiza a vaidade porque ela, enquanto vício do entendimento ligado ao processo de socialização se contrapõe ao amor sublime, apelando para o seu arremedo que é o amor medíocre, usando-o em suas maquinações diabólicas.

A vaidade na Maçonaria

         Autores maçônicos renomados como Aslan, Cammino e Castellani são praticamente unânimes em definir e explicar a vaidade na maçonaria. Utilizam quase sempre uma definição muito próxima das empregadas nos dicionários mais comuns.
         Resumidamente podemos definir a vaidade como a “qualidade” de caráter do que é vazio de valor, sem consistência ou fundamento. Caráter do vaidoso que apregoa um valor que não tem ou acoberta um real interesse, que estima excessivamente um valor pessoal, com desejo oculto de atrair a admiração dos outros. Em seu dicionário de maçonaria e simbologia, Aslan, cita que “O vaidoso considera-se superior a todos, em relação a seus dotes reais ou imaginários, e sente-se ofendido ou amesquinhado quando posto em confronto desfavorável com outros indivíduos. Chama-se isso vaidade ferida, que é muitas vezes, causa de comportamentos anti-sociais. O indivíduo, em seus julgamentos, tem consciência clara de seus dotes reais, não como motivo de orgulho, mas de responsabilidade em utilizá-los para fins morais mais elevados, e tem igualmente consciência de suas limitações, sem todavia deixar-se abater por esse motivo”.
         Neste ponto é muito próximo o pensamento de Cammino, Castellani e Aslan em relação a Vaidade, com a doutrina filosófica desenvolvida por Matias Aires ao coincidir o pensamento filosófico em que muitas vezes,”o vaidoso oculta sua própria vaidade através de ações pias que nascem de uma vaidade mística” ou satisfação de ver-se superior aos outros através das boas obras e ações generosas realizadas em consonância  com o pensamento maçônico geral.
         O tipo de organização adotada internamente pela maçonaria de um modo geral favorece a esse tipo de comportamento. É bastante comum vermos Irmãos maçons assumindo posturas de “sacrifícios” e “renuncias!” que examinados a luz de uma visão mais apuradas demonstram apenas a vaidade de quem as executa. Para um Mestre maçom com certa experiência e criteriosa observação é razoavelmente fácil perceber atitudes desse tipo, bem como as antecipar, descrevendo-as detalhadamente as ações “vaidosas” e ocultas em obras “Pias” como descreve Matias Aires, obviamente a ação maçônica exige um tratamento fraterno de tais atos, em prol dos ideários assumidos na nossa amada Ordem. Como colocam Hume e Aires o vaidoso, antes de tudo tende a ocultar e negar suas reais intenções, e ao ser confrontado, seu comportamento muda, e o cordeiro finalmente mostra a sua verdadeira face de lobo, apelando muitas vezes para “ameaças emocionais”. Como coloca o filósofo brasileiro Matias Aires, o vaidoso procura sempre amparo em ações Pias, buscando valorizar-se pela negação de sua visível vaidade.
         Segundo a Psicóloga e professora Dulce Alves, membro do conselho estadual de Psicologia, é raro que uma pessoa com uma vaidade tão acurada mude radicalmente seu comportamento. Ressalta a professora que as boas ações praticadas exteriormente, com o sentimento de vaidade interior “mascaram” a verdadeira analise do caráter. A psicóloga Dulce Alves compara o processo mental do vaidoso com o ser mitológico chamado “vampiro”, um ser que se alimenta da essência vital de outros seres. Segundo Dulce Alves uma das características deste ser mitológico é o fato de sua imagem não ser refletida em espelhos, pois estes serem não suportariam a visão de suas “reais” feições. Analogamente os vaidosos buscam não reconhecerem-se como vaidosos, ocultando de si mesmos esses sentimentos.
         Na ordem maçônica existem diversos ensinamentos que combatem a vaidade. Entretanto pelas suas peculiaridades esse é um polimento excessivamente demorado do caráter do Maçom, alem de ser um trabalho intimo, que deve ser desenvolvido individualmente.
         Privilegiados são os Irmãos que passaram pelos valiosíssimos ensinamentos do Grau 19, Grande Pontífice ou Sublime Escocês, da Jerusalém Celeste e do Grau 32, Sublime Príncipe do Real Segredo. Em minha opinião essas duas escolas seriam de grande utilidade para uma reflexão interior e profunda transformação pessoal no tocante a vaidade. Entretanto basicamente a única contribuição que podemos oferecer aos irmãos que ainda encontram-se inebriados pelas taças da vaidade é a utilização de outro principio muito caro e raramente interpretado corretamente no interior da ordem maçônica: a Tolerância.
A Maçonaria é uma escola de humanismo e disso ninguém pode duvidar. Tanto no estudo da filosofia, bem como no campo social, a Maçonaria incute aos seus adeptos essa capacidade de modificação no comportamento e na visão geral da sociedade, notadamente, nas condutas de moral e ética.

        


BIBLIOGRAFIA:

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Movimento internacional de conscientização para o  controle do câncer de mama , o Outubro Rosa foi criado no início da década de 1990 pela...