Ir∴ Edmir Japiassu, M∴I∴
Dedicado em Memória Ao
Ir ∴ Severino Pereira, ARLS Cavaleiros Templários 7 Nº.3842.
“E o pó volte à Terra, como o era, e o espírito volte a Deus, que o deu.
Vaidade de Vaidade, diz o pregador, tudo é vaidade”(Eclesiastes - Cap∴12,
VV 7e8).
O Livro da Lei, ou
as sagradas Escrituras trazem em média 58 versículos onde encontramos
referências a palavra vaidade, dependendo da versão com a qual estamos
trabalhando, a saber: II Reis(1); Jó(4); Salmos(8); Provérbios(1);
Eclesiastes(26); Isaías(3); Jeremias(6); Ezequiel(4); Oséias(2); Zacarias(1);
Romanos(1); II Pedro(1).
O Eclesiastes é um
livro do Antigo Testamento, sendo o segundo dos livros Sapienciais e atribuído
a Salomão. Eclésia em grego significa “assembléia do povo” e, em nossos dias
“Igreja”.
Nos dicionários, a palavra vaidade é definida como
"qualidade do que é vão, instável, inútil, desejo imoderado de atrair a
admiração dos outros, vanglória, presunção, ostentação, fatuidade, coisa vã,
futilidade". A vaidade é o composto da transformação das pessoas para
pior. Ela distancia os seres, maltrata os corações, polui as mentes e deteriora
relações e sentimentos.
Vaidade
é a qualidade do que é vão, vazio, firmado sobre aparência ilusória. A vaidade,
sentimento que esvazia e dispersa. Interessante é o modo como procede, criadora
do absurdo e do irreal aos olhos alheios.
A sociedade
capitalista só reconhece que o sujeito atingiu o ápice do sucesso quando
acumulou conhecimento, poder e, sobretudo, dinheiro. Se acrescentar a isso um
corpo esbelto e “olhos claros”, o exemplo fica completo. Ser inteligente,
bonito, poderoso e rico é o kit básico do projeto de ascensão social. A partir
daí, conforme a permissão, a vaidade toma conta em maior ou menor escala.
A saúde espiritual,
que deveria servir de combustível para impulsionar a vida, fica delegada ao
segundo plano. O apego em demasia à matéria vai nos afastando dos cuidados
mínimos e necessários com o Eu interior. Por egoísmo e ambição, acabamos
criando empecilhos para uma vida saudável, solidária, fraterna, com paz, amor e
justiça. Não só para "os nossos mais chegados", mas principalmente
para aqueles que vivem excluídos, sem vez e voz. As ações impensadas e as reações
inesperadas são praticadas fora do contexto da nossa real vontade.
Como resultado, ferimos pessoas que amamos ou
gostamos com uma força muito maior do que um tiro desferido de uma arma. Só
depois, lembramos que possuímos dois ouvidos para ouvir, dois olhos para ver e
uma boca para falar.
A vida no plano
terreno é tão curta, que não podemos nos dar ao luxo de perder tempo com
picuinhas e armações desnecessárias.
O termo vaidade
traduz uma palavra hebraica que significa vapor que se dissipa no ar. Estas
palavras refletem um estágio singular da fé: aquilo em que se crê na existência
e no juízo de Deus, na vida além da morte.
A vaidade está sempre fundada na
crença de que somos o objeto de atenção e de aprovação. O rico se glorifica em
sua riqueza porque acredita que ela naturalmente atrai para ele a atenção do
mundo, e que a humanidade está disposta a acompanhá-lo em todas aquelas emoções
agradáveis que as vantagens de sua situação tão prontamente lhe inspiram.
Quando ele pensa nisso, seu coração parece crescer e dilatar-se dentro de seu
corpo, e ele aprecia a sua riqueza mais por esse motivo do que por todas as
outras vantagens que ela possibilita. O pobre, ao contrário, tem vergonha de
sua pobreza. Ou ele sente que a pobreza o coloca fora da atenção da humanidade ou
que, se esta lhe dá um mínimo de atenção, não tem, entretanto, quase nenhum
sentimento solidário para com a miséria e a provação de que ele padece.
Dessa forma, é a vaidade, mais que
tudo, que exemplifica o controle do comportamento do agente por desejos
sub-racionais.
No fundo, todo indivíduo deseja ser
estimado, ou seja, assegurar para si os bons sentimentos e a disposição
favorável daqueles que o rodeiam. Os homens são vaidosos, mas não gostam de ser
considerados – nem mesmo de imaginar-se a si próprios – como tais.
A
vaidade em David Hume
Ao
longo de sua obra, David Hume (1711-1776), filósofo Escocês faz diversas
referências à vaidade. Em uma delas, Hume afirma que há duas seitas fundadas em
diferentes sentimentos com respeito à natureza humana. Uma delas exalta a nossa
dignidade, representando o homem como uma espécie de semideus, que deriva sua
origem dos céus. A outra seita enfatiza o lado obscuro da natureza humana e
nada pode descobrir além da vaidade, através da qual o homem ultrapassa os outros
animais, pelos quais ele afeta um grande desprezo. O autor que possui talento
retórico geralmente adere à primeira destas seitas. O autor que tende à ironia
e ao ridículo, naturalmente adere à segunda destas seitas.
Hume está longe de pensar que aqueles que depreciam a
natureza humana sejam inimigos da virtude. Na verdade, eles vêem o curso das
ações humanas com demasiada indignação justamente porque possuem um delicado
senso moral, especialmente quando associado a um temperamento mal-humorado, que
lhes dá desgosto pelo mundo. Mas os sentimentos
daqueles que tendem a pensar favoravelmente a natureza humana são mais
vantajosos à virtude. Com efeito, se o ser humano possui uma noção elevada de
si próprio e de sua espécie, ele naturalmente procurará agir de acordo com esta
noção, desprezando qualquer ação que o faça afundar para baixo da nobreza de
sua auto-imagem.
De
qualquer modo, Hume pensa que a disputa ligada à dignidade ou mesquinhez da
natureza humana se baseia em alguma ambigüidade nas expressões usadas. Daí a
utilidade de avaliar o que é real e o que é puramente verbal nesta
controvérsia.
Hume pensa que, quando estamos fixando um termo que envolva
aprovação ou censura, estamos geralmente sendo influenciados mais por uma
comparação feita do que por algum padrão inalterável que pertença à natureza das
coisas. Assim, a receita de Hume para analisar qualquer disputa é sempre
considerar se é uma questão de comparação ou não que constitui o assunto da
controvérsia. E, se a resposta for positiva, torna-se muito importante
verificar se os disputantes estão lidando com as mesmas coisas ou se falam de
realidades completamente diversas.
Ao formar nossa noção de natureza humana, fazemos uma
comparação entre o ser humano e os animais. Tal comparação, quando colocada
nestes termos, é favorável à espécie humana, o que leva à formação de uma noção
exaltada de nós mesmos.
A maneira mais eficiente de destruir esta conclusão é fazer
uma nova e secreta comparação entre o ser humano e seres que possuam a
sabedoria mais perfeita. O ser humano pode formar uma idéia de perfeição muito
além daquilo que ele experimenta em si mesmo. Ao fazer isto, ele vê que está
infinitamente longe de possuir a sabedoria perfeita e que nem mesmo a sua
superioridade para com os animais é capaz de compensar este fato.
Podemos ainda comparar um ser humano com outro, descobrindo
assim que são muito poucos aqueles que podemos chamar de sábios ou virtuosos.
Isto, porém, constitui uma falácia, pois, ao invés de atribuir sabedoria às
pessoas em gradações suaves, acabamos por considerar virtuosas ou sábias
somente aquelas pessoas que possuem tais qualidades em elevadíssimo grau. Deste
modo, dizer que há poucos sábios no mundo é uma redundância, pois nós os
consideramos sábios justamente porque são poucos. É o mesmo que dizer que há
poucas mulheres realmente belas, quando, para dizer que são tais estamos lhes
atribuindo uma beleza que só é comum a poucas.
Estas considerações levam Hume a concluir que o debate em
torno da dignidade ou mesquinhez da natureza humana é acima de tudo uma disputa
de palavras. Deste modo, quando alguém nega a sinceridade de todo o espírito público
ou afeição a um país e comunidade, a ponto pensar que toda amizade envolve amor
próprio, ele está abusando das palavras e confundindo as coisas. Seria
impossível alguém ser tão egoísta ou tão estúpido para não diferençar entre um
homem e outro, deixando de levar em conta as qualidades deles que fossem
capazes de motivar a sua aprovação e estima. Ou este alguém esqueceu os
movimentos de seu coração ou está usando uma linguagem diferente daquela de
seus compatriotas. O amor próprio possui uma influência benéfica sobre a maior
parte das ações humanas e é altamente recomendável para todos nós.
Deste modo, duas coisas desorientaram os filósofos que
insistiram no egoísmo humano. Primeiramente, descobriram que todo ato de
virtude ou amizade envolvia um prazer secreto. Daí concluíram que a amizade e a
virtude não poderiam ser desinteressadas. A falácia aqui é óbvia: o sentimento
virtuoso produz o prazer, mas não surge a partir dele. Sinto prazer ao fazer
bem a meu amigo porque o amo, mas não o amo por causa daquele prazer. Em
segundo lugar, os virtuosos não são indiferentes ao elogio e foram por isto
considerados pessoas vaidosas que só buscam o aplauso dos outros. Mas esta
constitui outra falácia: é muito injusto depreciar uma ação louvável só porque
nela encontramos uma tintura de vaidade.
A vaidade é uma paixão especial. Amar a fama de ações
louváveis chega muito próximo do amor pelas ações louváveis por elas mesmas. A
vaidade está tão de perto associada à virtude que estas paixões são mais
capazes de mistura do que qualquer outro tipo de afeição. É quase impossível
ter uma sem ter a outra. Amar a glória de ações virtuosas é uma prova segura do
amor pela virtude.
Na mesma linha de raciocínio, Hume afirma, nas Investigações
sobre os Princípios da Moral, que o desejo de fama está tão longe de ser
censurável a ponto de parecer inseparável da virtude, do gênio, da capacidade e
duma disposição nobre. Daí sua definição de vaidade como a exibição de
nossas qualidades numa exigência tão inoportuna de elogio e admiração que se
torna ofensiva a outras pessoas e ultrapassa de longe a vaidade secreta que
elas próprias possuem. Nesta perspectiva, a vaidade não surge nem como amor
próprio nem como base da moralidade. Esta última envolve um sentimento comum a
todos os homens, a saber, um sentimento de humanidade que se distingue das
outras paixões. Enquanto estas últimas possuem um caráter particular, o primeiro
depende de um ponto de vista universal. Assim, quando digo que fulano é meu
inimigo, estou adotando a linguagem do amor próprio, baseada num ponto de vista
particular. Quando, porém, digo que fulano é depravado, estou adotando a
linguagem moral, baseada num princípio universal.
As considerações de Hume a respeito do egoísmo avançam em
direção semelhante. Ele considera um princípio, que se supõe prevalecer entre
muitos pensadores, segundo o qual toda benevolência é mera hipocrisia, a
amizade, uma trapaça, o espírito público, uma farsa. No fundo, todos procuramos
satisfazer nossos interesses privados e usamos estes disfarces para distrair
outras pessoas e submetê-las a nossas vilezas e maquinações. Contra esta
hipótese hobbesiana do homem naturalmente egoísta, Hume diz, em primeiro lugar,
que ela é contrária ao sentimento comum e às nossas noções mais evidentes. O
mais descuidado observador pode perceber que parecem existir disposições como
benevolência e generosidade e afeições como amor, amizade, compaixão, gratidão,
as quais diferem claramente daquelas provenientes das paixões egoístas. A
hipótese do egoísmo humano parece decorrer do amor pela simplicidade, que
constitui a fonte de muito raciocínio falso em filosofia. A insuficiência dos
sistemas que se baseiam nisto já foi provada por muitos filósofos e Hume
considera-a suficientemente estabelecida.
Em segundo lugar, Hume alega que a causa mais simples e mais
óbvia que pode ser atribuída a um fenômeno é provavelmente a verdadeira. Ora, a
hipótese do egoísmo envolve reflexões muito intricadas e refinadas. As nossas afecções
não são suscetíveis de impressões provenientes de refinamentos da razão ou da
imaginação. Assim, se falecesse o amigo
muito rico e protetor de uma pessoa, poderíamos suspeitar que o pesar desta
pessoa esconde algum interesse. Mas não poderíamos fazer a mesma suposição se o
falecido fosse muito pobre e necessitasse de proteção. Deste modo, hipótese do
egoísmo equivaleria a tentar explicar o movimento duma carroça carregada
através de minúsculas engrenagens e molas ocultas.
Em terceiro lugar, Hume afirma haver diversas afecções que
são marcas de uma benevolência geral na natureza humana, em que nenhum
interesse real nos liga ao objeto. Parece difícil explicar como um interesse
imaginário, conhecido e reconhecido enquanto tal, pode ser a origem de qualquer
paixão ou emoção. Com efeito, há apetites corporais que necessariamente
precedem todo prazer sensual. A fome e a sede têm como seu fim o comer e o
beber, respectivamente. E da satisfação destes apetites primários surge um
prazer, que pode tornar-se o objeto de outra espécie de desejo, que é
secundário e interessado. Do mesmo modo, há paixões mentais através das quais
somos imediatamente impelidos a buscar certos objetos particulares, tais como
fama ou poder, e quando tais objetos são atingidos segue-se uma agradável
sensação de deleite. Assim, o amor próprio não pode ser o único bem do homem,
já que depende da satisfação de diversos desejos particulares que o precedem.
Se não tenho vaidade, por exemplo, não me interesso pelos elogios alheios; se
não tenho ambição, não me interesso pelo poder; se não estou com raiva, não me
interesso pela vingança. Em todos estes casos, há uma paixão que aponta
imediatamente ao objeto e faz dele nosso bem. É certo que há também outras
paixões secundárias, que surgem a partir disso e perseguem o objeto como parte
de nossa felicidade, mas só depois que o objeto é constituído como tal pelas
nossas afecções originais. Se não houvesse qualquer apetite antecedente ao amor
próprio, ele dificilmente se exerceria, porque neste caso teríamos tido
prazeres e dores tão poucos e tão fracos que não nos motivariam a buscar a
felicidade ou a evitar o sofrimento. A proposta de Hume, que explica a
moralidade através de um sentimento de benevolência desinteressada, distinta do
amor próprio, é mais simples do que a do egoísmo.
Assim, a hipótese do amor próprio é mais uma sátira do que
uma verdadeira descrição da natureza humana. Ela pode constituir um bom
fundamento para a perspicácia paradoxal e para a zombaria, mas não para o
raciocínio sério.
A
vaidade em Matias Aires da Silva de Eça
Matias
Aires da Silva de Eça (1705-1763) filósofo brasileiro publicou, em 1752, um
pequeno livro, intitulado Reflexões sobre a Vaidade dos Homens. Nele,
não há apenas a construção de um sistema racional, mas a experiência duma vida
e o reflexo dum caráter. Os principais temas tratados no opúsculo são os da
vaidade, do amor e do ceticismo.
O
mote que leva Matias a escrever Reflexões Sobre a Vaidade dos Homens é o
conhecido versículo 2 do Capítulo 1 do Eclesiastes: vanitas
vanitatum, et omnia vanitas. Em sua glosa do versículo bíblico, Matias
parte da vaidade como um dos fundamentos das ações humanas. No Prólogo
ao Leitor, ele nos avisa que os conceitos em seu livro não são rigorosos em
virtude do próprio assunto tratado. De qualquer modo, a vaidade é apresentada
não como uma paixão do corpo, mas da alma. Ela é vício do entendimento e não da
vontade, pois depende do discurso. Eis porque a mais forte e a mais vã de todas
as vaidades é a que resulta do saber. A vaidade é uma espécie de
concupiscência, que deve ser enfrentada não com as forças do corpo, mas com as
do espírito. A vaidade é sem limites, durando mais do que nós mesmos, através
dos túmulos aparatosos que mandamos fazer. Ela é a que mais se esconde, entre
todas as paixões. Muitas vezes, oculta a si mesma, através de ações pias que
nascem de uma vaidade mística ou satisfação de ver-se superior aos outros
através das boas obras realizadas (grifos do filósofo). A maior de todas as
injúrias é o desprezo, porque atinge a própria vaidade. Até mesmo o desprezo
pelas coisas vãs pode nascer do excesso de vaidade. Neste caso, tal excesso
produz a aparência de uma virtude, que é a de não ser vaidoso. Embora cada ser
humano conheça muito bem as vaidades alheias, desconhece as próprias. A vaidade
se une a todas as paixões e muitas vezes constitui a origem principal das
mesmas. Ela nasce com todas e é a última que se acaba. Até a humildade costuma
nascer da vaidade, que exerce a sua influência mesmo onde parece não tê-la. E
muitas das virtudes humanas surgem a partir da vaidade. Esta como que as
inventou, pois, por exemplo, desprezamos a vida para ver reconhecido o nosso
valor; deixamos de ser desleais para não termos de enfrentar o desprezo dos
outros. A vaidade se parece muito com o amor próprio, confundindo-se talvez com
ele. Se são paixões diversas, uma nasce da outra. Há vaidades universais, que
compreendem toda a sociedade, e vaidades particulares, que são próprias a cada
ser humano. As primeiras unem as pessoas e constituem a sociedade; as últimas
separam e dividem as pessoas. A vaidade se encontra oculta no estado de
inocência da infância, mas, com o tempo, vai crescendo e tomando conta de
nossas vidas. A vaidade surge como contágio contraído a partir das relações e
conversações dos homens. Nosso entendimento facilmente se infecciona com as
opiniões próprias e com as alheias, com as vaidades próprias e com as dos
outros. Em contrapartida, é dos delírios produzidos pela vaidade que resulta e
depende a sociedade. O desejo de adquirir fama infunde tal valor nos homens que
os transforma em heróis, em cientistas, em pessoas benignas e virtuosas. Eis
porque o homem sem vaidade sente um desprezo universal por tudo, começando por
si mesmo. A reputação aparece-lhe como uma fantasia, o respeito, como uma
dependência servil, a benignidade, como uma virtude mercenária, a lealdade,
como uma submissão necessária e a fama, como um objeto vago, incerto, que vale
menos do que custa para conseguir.
Em paralelo com a questão da vaidade, Matias introduz suas
reflexões sobre o amor. Ele pensa que este é indefinível, ultrapassando a nossa
capacidade de descrever, porque é infinito o nosso modo de sentir. A
providência divina suscitou o amor nos homens e em toda a natureza para
conservar o mundo. A verdadeira base do amor está na formosura. Há, porém, dois
tipos de amor: o medíocre e vulgar, que só se ocupa dos prazeres dos
sentidos, e o sublime, que se contenta em contemplar o objeto amado e se
aproxima do amor divino. O primeiro é como um impulso da natureza, buscando o
alívio fora de si e dependendo da vontade alheia; o segundo é como uma emanação
da alma, encontrando o contentamento em si mesmo, sem depender da vontade
alheia. Quanto às relações entre o amor e a vaidade, as Reflexões parecem
apontar para uma visão de mundo em que a vaidade e o amor sublime se
opõem frontalmente. O amor medíocre é inconstante e dominado pela
vaidade, reduzindo-se a uma de suas manifestações. O amor sublime é o
que temos pelo mundo enquanto criado por Deus. Este amor é constante. Não temos
liberdade para deixar de amar a formosura do mundo, já que a estrutura do
universo é um retrato da onipotência divina.
Deste modo, parece que somos capazes de duas paixões
principais: uma delas é o amor divino, que depende exclusivamente do coração
inflamado pela beleza da obra divina; a outra é a vaidade, que depende do
entendimento. É verdade que o amor medíocre também surge a partir do coração,
mas ele busca a satisfação dos sentidos e precisa ser conservado pelo discurso,
tornando-se mais uma das manifestações da vaidade que governa as relações
sociais. De qualquer modo, as duas paixões principais são completamente livres
de limitações.
A partir desta oposição, podemos ver que a natureza humana
propende para o mal e por causa disso devemos viver sob regras. Chegamos ao
vício sem necessidade de tempo ou de mestre. À virtude só chegamos depois de muito
trabalho. Nesta perspectiva, um homem às avessas seria um homem perfeito. Para
fazer o bem, basta consultar a nossa natureza e fazer o contrário. Viemos ao
mundo para fugir de nós mesmos, de nossas paixões, de nossas vaidades. As ações
humanas são muitas e muitas vezes dominadas pela vaidade. Mas não devemos abandonar completamente esta
última, pois ela nos ajuda a moderar ou a impedir outros vícios. Na verdade,
quem não tem vaidade alguma despreza a própria reputação e, portanto, a própria
honra. Assim, é útil manter alguma tintura de vaidade, embora não a sua substância.
Quanto ao conhecimento que temos do mundo, Matias se revela
um cético. Para ele, vemos as coisas do modo que as podemos ver, ou seja, de
maneira confusa. As paixões formam dentro de nós um intrincado labirinto, no
qual o verdadeiro ser dos objetos se perde. Conhecemos as coisas não pelo que
são em si, mas pelas suas diferenças. A essência nos é totalmente oculta. Além
disso, nossas idéias mudam a partir das alterações pelas quais nós mesmos passamos.
Nas letras, reina uma vaidade metafísica, espiritual. Seu objeto são os
discursos e a disputa. Ter ou não ter razão é a guerra em que se passam os
nossos dias e os nossos anos. Só achamos dúvidas contra a opinião dos outros,
nunca contra a nossa. É mais fácil defender uma opinião má do que escolher uma
boa. Todos os que se dedicam às letras são motivados pela vaidade de adquirir
renome. Quanto maior é a vaidade de cada um, tanto maior é a sua aplicação. Os
letrados não estudam para saber, mas para que se saiba que eles sabem. Aqueles
que crêem saber mais que os outros ou se enganam ou se persuadem bem. Toda a
ciência se corrompe no homem, pois tudo o que passa por ele fica infectado. A
ciência não melhora o homem, mas o deixa como o encontra. Não é a ciência que
nos ensina, e sim o tempo. A ciência é como um cristal claro que se coloca
sobre uma pintura mal feita: pode dar-lhe lustro, mas não lhe dá maior valor.
Nesta perspectiva, a ignorância tem produzido menos erros que a ciência. O que
esta última nos faculta é sabermos errar com método. Em virtude disso, a
discordância entre os sábios é total. Eles não compartilham doutrina alguma,
princípio fundamental algum. Seu único ponto comum é a vaidade. As ciências não
costumam pacificar o mundo, mas sim desordená-lo. As idéias de Matias expostas acima sugerem
que ele defende uma visão de mundo em que o ser humano possui uma natureza
corruptível, no sentido de que nasce inocente, mas precisa de muita força moral
para resistir às tentações da vida social e, em geral, não possui tal força em
quantidade suficiente para evitar o pecado. Temos duas faculdades básicas, o
coração e o entendimento, que geram as paixões do amor e da vaidade. Estas só
encontram justificação quando provêm de Deus. É o que acontece com o amor pelo
mundo, que, enquanto obra criada, reflete a onipotência de seu autor. Neste
último caso, o coração se contenta em contemplar desinteressadamente a beleza
da criação divina, experimentando uma alegria perfeita. Quando não provêm de
Deus, as paixões geradas pelo coração e pelo entendimento iludem e dominam o
ser humano. O coração gera a paixão do amor medíocre, que surge quando os
sentidos se deixam impressionar pela beleza do objeto amado. Esta paixão é de
caráter corporal, sensorial, instintivo, imperfeito. Nela, o sentir é muito
mais amplo do que o explicar discursivo. O entendimento, por sua vez, pertence
a uma alma que nasce ingênua, mas que está aberta para a vaidade através do
processo de socialização. Este se baseia no discurso e só pode proporcionar uma
alegria imperfeita. Na realidade, o entendimento é um verdadeiro castigo, pois
nos permite perceber que nada sabemos acerca do mundo e de nós mesmos e nos
deixa sem qualquer desculpa para justificar-nos. Toda pretensão ao conhecimento
é pura vaidade. A diafonia entre os seres humanos é total. Coerentemente, Matias
fala pouco do amor sublime em seu ensaio, porque se trata de algo inefável e
independente do entendimento. Ele enfatiza a vaidade porque ela, enquanto vício
do entendimento ligado ao processo de socialização se contrapõe ao amor sublime,
apelando para o seu arremedo que é o amor medíocre, usando-o em suas
maquinações diabólicas.
A
vaidade na Maçonaria
Autores maçônicos renomados como Aslan,
Cammino e Castellani são praticamente unânimes em definir e explicar a vaidade
na maçonaria. Utilizam quase sempre uma definição muito próxima das empregadas
nos dicionários mais comuns.
Resumidamente podemos definir a vaidade
como a “qualidade” de caráter do que é vazio de valor, sem consistência ou
fundamento. Caráter do vaidoso que apregoa um valor que não tem ou acoberta um
real interesse, que estima excessivamente um valor pessoal, com desejo oculto
de atrair a admiração dos outros. Em seu dicionário de maçonaria e simbologia,
Aslan, cita que “O vaidoso considera-se superior a todos, em relação a seus
dotes reais ou imaginários, e sente-se ofendido ou amesquinhado quando posto em
confronto desfavorável com outros indivíduos. Chama-se isso vaidade ferida, que
é muitas vezes, causa de comportamentos anti-sociais. O indivíduo, em seus
julgamentos, tem consciência clara de seus dotes reais, não como motivo de
orgulho, mas de responsabilidade em utilizá-los para fins morais mais elevados,
e tem igualmente consciência de suas limitações, sem todavia deixar-se abater
por esse motivo”.
Neste ponto é muito próximo o
pensamento de Cammino, Castellani e Aslan em relação a Vaidade, com a doutrina
filosófica desenvolvida por Matias Aires ao coincidir o pensamento filosófico
em que muitas vezes,”o vaidoso oculta
sua própria vaidade através de ações pias que nascem de uma vaidade mística” ou
satisfação de ver-se superior aos outros através das boas obras e ações
generosas realizadas em consonância com
o pensamento maçônico geral.
O tipo de organização adotada internamente pela maçonaria de
um modo geral favorece a esse tipo de comportamento. É bastante comum vermos
Irmãos maçons assumindo posturas de “sacrifícios” e “renuncias!” que examinados
a luz de uma visão mais apuradas demonstram apenas a vaidade de quem as
executa. Para um Mestre maçom com certa experiência e criteriosa observação é
razoavelmente fácil perceber atitudes desse tipo, bem como as antecipar,
descrevendo-as detalhadamente as ações “vaidosas” e ocultas em obras “Pias”
como descreve Matias Aires, obviamente a ação maçônica exige um tratamento
fraterno de tais atos, em prol dos ideários assumidos na nossa amada Ordem.
Como colocam Hume e Aires o vaidoso, antes de tudo tende a ocultar e negar suas
reais intenções, e ao ser confrontado, seu comportamento muda, e o cordeiro finalmente
mostra a sua verdadeira face de lobo, apelando muitas vezes para “ameaças
emocionais”. Como coloca o filósofo brasileiro Matias Aires, o vaidoso procura
sempre amparo em ações Pias, buscando valorizar-se pela negação de sua visível
vaidade.
Segundo a Psicóloga e professora Dulce Alves, membro do
conselho estadual de Psicologia, é raro que uma pessoa com uma vaidade tão
acurada mude radicalmente seu comportamento. Ressalta a professora que as boas
ações praticadas exteriormente, com o sentimento de vaidade interior “mascaram”
a verdadeira analise do caráter. A psicóloga Dulce Alves compara o processo
mental do vaidoso com o ser mitológico chamado “vampiro”, um ser que se
alimenta da essência vital de outros seres. Segundo Dulce Alves uma das
características deste ser mitológico é o fato de sua imagem não ser refletida
em espelhos, pois estes serem não suportariam a visão de suas “reais” feições.
Analogamente os vaidosos buscam não reconhecerem-se como vaidosos, ocultando de
si mesmos esses sentimentos.
Na ordem maçônica existem diversos ensinamentos que combatem
a vaidade. Entretanto pelas suas peculiaridades esse é um polimento
excessivamente demorado do caráter do Maçom, alem de ser um trabalho intimo,
que deve ser desenvolvido individualmente.
Privilegiados são os Irmãos que passaram pelos valiosíssimos
ensinamentos do Grau 19, Grande Pontífice ou Sublime Escocês, da Jerusalém
Celeste e do Grau 32, Sublime Príncipe do Real Segredo. Em minha opinião essas
duas escolas seriam de grande utilidade para uma reflexão interior e profunda
transformação pessoal no tocante a vaidade. Entretanto basicamente a única
contribuição que podemos oferecer aos irmãos que ainda encontram-se inebriados
pelas taças da vaidade é a utilização de outro principio muito caro e raramente
interpretado corretamente no interior da ordem maçônica: a Tolerância.
A Maçonaria é uma escola
de humanismo e disso ninguém pode duvidar. Tanto no estudo da filosofia, bem
como no campo social, a Maçonaria incute aos seus adeptos essa capacidade de
modificação no comportamento e na visão geral da sociedade, notadamente, nas
condutas de moral e ética.
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