quarta-feira, 25 de junho de 2014

A MAÇONARIA DO PÓRTICO DE SALOMÃO
Irm Antônio do Carmo Ferreira*
 
Corria o tempo do Natal de 1995. Xico Trolha dava sinais de inquietação sobre o motivo por que a maçonaria se descristianizara e, a partir de quando, tal distância se havia acentuado. O ano de 1996 foi de inteiro labor para o mestre Xico em suas pesquisas naquele sentido, resultando premiado com a redação de um livro, tantos foram os dados que lhe vieram às mãos. Título da obra: A Descristianização da Maçonaria que foi lançada pela Editora A Trolha em dezembro de 1997, cujos originais ele me deu o privilégio de conhecer e, a honra de incluir, a pedido seu,  o artigo de minha lavra – A Maçonaria do Pórtico de Salomão.(1)
Ele tinha despertado para o assunto, porque , naquela oportunidade, havia alguém pregando que os maçons eram anti-cristãos, o que não era nem é verdadeiro. Era, isto sim, mais uma idiotice que pretendiam implantar no seio da sociedade, para intrigar a Igreja com a Maçonaria. Ele havia aprendido, como nós todos aprendemos que “a maçonaria nasceu, cresceu e floresceu à sombra das igrejas cristãs” e que.  “os mais famosos e perfeitos Monumentos de Pedra, erigidos na Europa, pela Igreja Católica, após o Século XII, foram construídos pelos Maçons Operativos.  O Cristianismo foi assimilado profundamente pelos Pedreiros da Europa, deixando uma profunda e indestrutível herança na estrutura da Maçonaria Operativa e, mesmo, na Maçonaria Especulativa”. Teria sido  “o caráter de Livre-Pensador, que o Maçom Especulativo assimilou”, o fato causante do distanciamento com a Igreja Católica “ sua antiga Patroa e Benfeitora “(2)
Esse distanciamento veio a ser a “descristianização” a que o mestre Xico se reportou, justificando ser, então, necessária, para “retirar da sociedade maçônica qualquer conotação religiosa. (pois) Nós não somos e nem queremos parecer que somos uma Entidade que possa ser confundida com uma Seita Religiosa. ... e nem queremos substituir a religião de cada membro. E isso todo e qualquer maçom sabe.”(3)
Àquela onda de querer trazer à tona a intriga antiga e descabida, além de chamar os maldizentes de “nada mais idiota”, o mestre Xico combatia, ressaltando que “a Maçonaria nunca foi condenada de ser Anti-cristã, mas sim de anticlerical”(4). Bravo Xico! A busca da verdade é incessante nas funções maçônicas.!
O professor Assis Carvalho (Xico Trolha), em vida, credenciou-se um grande benfeitor da cultura maçônica brasileira ao intensificar os seus estudos sobre a origem documentada da Ordem, e divulgar o resultado dessas suas pesquisas, o que deve ser considerado um serviço inestimável que prestou aos Maçons nesses tempos em que se acende, no País, uma ardorosa vontade de se saber certo o que se deve saber corretamente.(5)
O professor Assis colaborou com a sua dedicação à pesquisa, ao tempo em que proporcionou outro grande benefício aos que desejam aumentar o cabedal do saber, qual seja  o de mandar editar os seus livros a preços bastante acessíveis, decerto sem os olhares voltados para qualquer margem de ganho, senão a remuneração psicológica da satisfação de bem servir à Arte Real e a seus irmãos, merecendo, desta forma, outra láurea: a do mecenato no amparo à evolução do saber maçônico entre nós.
Tirante o livro A Descristianização da Maçonaria, cuja leitura tomo a liberdade de sugerir, há, da parte da crítica especializada, uma apreciação acolhedora a respeito do seu livro USOS E COSTUMES, em dois volumes, publicado através de A Trolha, Editora Maçônica que também  se destaca e compartilha com o professor nesta benfeitoria à Ordem no Brasil. O livro todo é recheado de informes da maior valia para quem deseja aprender, com base documental, portanto sem os percalços de estar sedimentando conhecimentos que não resistem à crítica. Daí o elogio ao mérito.
Ali está um acervo de ótimos propósitos, mas o que bem chama a atenção é o documentário em torno da formação de nossos Rituais, costumes e usos (não invencionices) que se foram identificando ao longo da história e que realmente eram as fontes, como que um “conhecimento empírico”, que mais tarde serviram de fulcro ao “conhecimento científico” dos Rituais de hoje. O livro registra isto em especial, e aí um dos seus grandes valores. Falar de Ritual é um assunto cativante e de grave cuidado.
 
A parte inicial do vol.2 dessa obra trata de antigos catecismos que, vejamos bem, deram origem aos Rituais agora utilizados nos trabalhos de nossas Lojas. Pelas páginas 61, o pesquisador transcreve parte de um diálogo que pinçou de um manuscrito de 1696 que tem o título de “The Edinburg Register House”,  que nos  mostra o compromisso do Maçom para com seu aperfeiçoamento e, por extensão, para com a constituição da fraternidade universal.
No diálogo, a autoridade pergunta: “Onde está a primeira Loja?” Ao que seu interlocutor responde: “No Pórtico do Templo de Salomão”. Desejando tecer algumas considerações, mais adiante, acerca do que esta expressão inspira, lembro, como premissa de que as Sagradas Escrituras fizeram alusão a essa parte do Templo de Jerusalém, quando foram escritos os Atos dos Apóstolos, por conseguinte dezesseis séculos antes do advento do manuscrito “The Edinburg Register House”.
A passagem do Novo Testamento reservada aos “Atos dos Apóstolos” narra a formação do cristianismo, a infância da Igreja, e tem a ver com a ação dos apóstolos no eixo Jerusalém  a Roma. Não é bem a ação de todos os apóstolos, embora o título sugira isto.
O relato, na sua primeira parte, trata sobretudo da ação de Pedro, e, na segunda parte (a final), das atividades de Paulo. Enquanto o Evangelho cuida da formação do discípulo, os Atos, não. Já é o trabalho mesmo., sob a iluminação do Espírito Santo, apoio este que aliás havia sido prometido, ao tornar Pedro  a rocha sobre a qual  seria edificada a Igreja e a presença garantida entre eles mediante as luzes do Espírito Santo. Pentecostes, naquele domingo, foi o grande sinal.
Pela analogia da tessitura literária e pela semelhança da dissertação teológica, percebe-se que o autor dos ATOS é o mesmo do Evangelho de Lucas, ou o próprio Lucas. O momento em que foram escritos os ATOS deve ter sido entre os anos 92 e 97 d.C. e, naquela oportunidade, Paulo já era falecido.
Desejava-se, como disse, através da narração, mostrar o processo de consolidação da Igreja nascente, mas como obra da proteção de Deus. Vinda para ficar, pois sob a iluminação do Espírito Santo, continha nas entranhas a seiva da eternidade.
O milagre era a prova contundente de que a Igreja pregada por aqueles missionários era realmente a Igreja a que se refere Cristo. E um desses milagres aconteceu exatamente sob o Pórtico de Salomão (6), em que Pedro e João foram instrumentos de Deus para curar o COXO de nascença, que sempre pedira esmolas na “especiosa” e ali era conhecido de todos que freqüentavam o Templo. “Especiosa” era a porta do Templo, em Jerusalém, que ficava “entre o pátio dos gentios e o das mulheres”. E o Pórtico de Salomão era o acesso pelo “alpendre da parte oriental do pátio do Templo”(7)
Por sua vez os milagres queriam demonstrar a condição de seu autor, isto é, operados por alguém em nome de Deus. Um ato de quem precisava provar que tinha poderes sobrenaturais e que na qualidade de missionário deveria ser seguido por um auditório ou comunidade ou por todos na busca daquele objetivo que anunciava e para cuja consecução tinha vindo.
A pessoa em quem se operava o milagre, e portanto dele se beneficiava, passava a acreditar com todo fervor naquilo que se anunciava (“a tua fé te salvou”)(8) do que se tornava de pronto um adepto e prosélito. Por exemplo, Saulo (Paulo) a caminho de Damasco ... (9) Passava, pois, por um processo de transformação e de felicidade pessoal, como foi o caso do Coxo, a que se reporta a narração precedente que, em face do milagre de Pedro e João, veio a ser pessoa normal que não era de nascimento, adquirindo assim a condição de trabalho, saindo da humilhação de esmolar e de dependente físico em que até então se encontrava.
O milagre se deu no local denominadoPórtico de Salomão, expressão que passou a ser, mais tarde e por algum tempo, segundo mostra o diálogo, senha para a Ordem Maçônica, a indicar não somente o lugar físico, mas também a invocar ao ser/maçom o rumo do aperfeiçoamento, porquanto nascido para as “coisas mais importantes”.(10)
A propósito, recorda-se que em 1717, quando se fundou a Grande Loja de Londres, as quatro Lojas que a deram origem, funcionavam em Tavernas e Cervejarias, e algumas outras, conforme relata Castellani, é que se reuniam em adros de igrejas (11).
As transformações se deram ali, “o tudo organizado”, vindo do “caos”, nos adros, no Pórtico de Salomão. A Loja estava sob o Pórtico de Salomão (12) , decerto porque era integrada por homens que, obedientes a Deus, praticavam uma religião; porque tinham um santo padroeiro, o João (batista ou evangelista), sendo este último o apóstolo de que se falam os ATOS e que juntamente com Pedro operou o milagre na pessoa do Coxo; porque guardava os dias santificados, isto é, seguia um calendário estabelecido pela Igreja, convindo notar que foi exatamente a falta de sujeição a essas circunstâncias, o que levou os irmãos da Loja de York (os antigos) a tanto criticarem a Grande Loja de Londres, onde se abrigavam os Maçons chamados de modernos (13).
Este é um entendimento, porém não se perdem de vista muitos outros motivos que a dedução faculta. Voltemos, por exemplo,  ao gesto do milagre. O Pórtico de Salomão foi um lugar eleito para isto. A Loja naquele local era uma parte e continha assim idênticas possibilidades e destinações. E o que se faz numa Loja de São João? Encaminha-se o Iniciado, que lhe é assíduo, aos estágios crescentes do aperfeiçoamento.
Os Maçons, em Loja reunidos, devem continuar na operação dos milagres, prosseguir no trabalho das grandes transformações, pois ela se constitui no mais propício dos ambientes a que o homem-maçom, não só contribua para a construção da fraternidade a que a Ordem se propõe, mas também e sobretudo desperte para o seu crescente aperfeiçoamento pessoal, para ser digno de seu destino, o “Templo de Deus”. (14)
Conversas com o Mestre Xico, que não esqueço, tanto sobre o seu “bom combate” em “A Descristianização da Maçonaria”, como em uma tentativa de lhe justificar a razão por que teria sido da melhor geometria a resposta à autoridade, colocando a Loja Maçônica sob o Pórtico do Templo de Salomão, onde se operavam os milagres.
 
Notas:
 
(1) A Descristianização da Maçonaria, Xico Trolha, Editora A Trolha, Londrina, dez/1997.
(2) Obra citada, página 43
(3) Obra citada, página 44.
(4) Obra citada, página 44.
(5) Quinta instrução, pág 119 do Ritual do 1º Grau, REAA, editado pelo GOIPE, 1993. Texto “Por que a maçonaria combate a ignorância? Porque é a mães de todos os vícios e seu princípio é nada saber; saber mal o que deve saber certo; e saber coisas outras além do que do que deve saber”.
(6) Atos dos Apóstolos, Cap 3 versículo 11, e Cap 5 versículo 12
(7) Foi usada a Bíblia Sagrada, edição ecumênica Barsa, tradução do padre Antonio Pereira de Figueiredo e notas de Dom José Alberto de Castro Pinto. O dicionário é das páginas 102 e 103 do Novo Testamento da edição. E a exegese tomou como base as “Instruções Ecumênicas” das páginas Ixii e Ixiii.
(8) Lucas: Cap 7 versiculo 50.
(9) Atos: Cap 9 e versículos, em especial versículos 20, 21 e 22.
(10) Ad maiora natus sum (nasci para as coisas melhores. Divisa de Stanislau Kostika, bisco de Cracóvia, santo da Igreja Católica Apostólica Romana.
(11) Castellani, Análise da Constituição de Anderson, página 52, edição A Trolha, 1995.
(12) Três foram os Templos erigidos em Jerusalém. O 1º foi o de Salomão, concluído em 986 a.C., e destruído em 586 a.C., quando Nabucodonozor II conquistou a cidade. O 2º Templo foi o de Zorobabel, cujas obras se iniciaram em 538 a.C., ao término do exílio dos Hebreus na Babilônia. O 3º é atribuído Herodes Magna que mandou destruir o Templo de Zorobabel em 19 a.C., quando começou a construir um outro que foi destruído, de ordem de Roma, no ano 70 d.C. Todos os três Templos foram erigidos no mesmo local do monte Moriá, parte oriental de Jerusalém, onde, segundo reza a tradição, Abraão teria ido sacrificar seu filho Isaac. No lugar, foi construída a Mesquita de Omar.
(13) Castellani, A Maçonaria e sua Herança Hebraica, página 107, edição A Trolha, 1993. E A Descristianização da Maçonaria (Xico Trolha), páginas 29 e 30, obra citada.
(14) I Coríntios: Cap 5 versículo 19 e I Epístola de Pedro: Cap 2 versículo 5.
 
(*) O Ir.’.Antônio do Carmo Ferreira é membro efetivo da Academia Maçônica de Ciências, Letras e Artes – AMCLA. E-Mail:  domcarmo@yahoo.com.br
 

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